segunda-feira, 17 de novembro de 2008

O Monstrengo, de Fernando Pessoa

Em uma aula sobre as Grandes Navegações Marítimas do século XV, ministrada aos alunos que participam do Projeto "Aluno de Tempo Integral", anos finais do Ensino Fundamental, foi apresentado aos estudantes o poema "O Monstrengo", escrito pelo poeta português Fernando Pessoa (1888 - 1935).
O estudo do poema ajudou os alunos a compreenderem o contexto histórico de Portugal e também a vislumbrar o imaginário europeu no início da Idade Moderna, no período das Grandes Navegações. Do mesmo modo, perceberam como a História pode ser retratada e estudada através de fontes diversas, por exemplo, por meio de um poema.
Apesar de escrever o poema anos após os Descobrimentos de espanhóis e de portugueses, Fernando Pessoa conseguiu captar e reproduzir muito bem o espírito dos europeus que viveram na Idade Moderna. Fica claro no poema que o medo e a aventura se misturam e se confrontam, tudo isso devido à vontade incessante de "descobrir" e de "conhecer" o que para os europeus era, até então, desconhecido, misterioso e atraente.
Em "O Monstrengo", um viajante português navega pelo Oceano Atlântico e se depara com um monstro marinho aterrorizador, que questiona os motivos de tal incursão no Oceano, lar impenetrável do Ser Marinho. Apesar de trêmulo, o viajante responde que está viajando sob as ordens do Rei de Portugal, D. João II.
O monstro indaga ao viajante novamente, e este responde que ele representa mais do que a si próprio naquela viagem, representa também o povo português, o qual estava ansioso por desbravar e conquistar as rotas marítimas do Atlântico na segunda metade do século XV e XVI. É neste momento que o viajante reúne forças para enfrentar o Monstrengo e cumprir sua missão, dando continuidade a sua viagem.
O monstrengo, por sua vez, representa o imaginário europeu, que por desconhecer a vastidão do oceano, o povoava com seres fantásticos e assustadores, tais como dragões, peixes gigantescos etc.
O medo do desconhecido, provavelmente, inibiu várias iniciativas de navegadores que buscavam o Atlântico, assim como as limitações tecnológicas da época, que não contribuíam na luta dos marujos contra as forças da natureza.
Apesar disso, o marujo do poema venceu o medo, enfrentou o monstrengo e seguiu sua viagem, rumo ao "desconhecido", em nome do povo português e de El Rei D. João II!
Abaixo reproduzimos o belo Poema e disponibilizamos um vídeo muito interessante contendo a dramatização do texto. Não deixem de assisti-lo, pois o vídeo está muito legal!

Assista ao vídeo aqui:



O MOSTRENGO

mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
A roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tetos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:
«El-Rei D. João Segundo!»

«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso.
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-Rei D. João Segundo!»

Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!»

Um comentário:

Anônimo disse...

O Monstrengo revela o espírito de aventura que tomou conta, sobretudo, dos povos ibéricos dó séculos XV e XVI.
Neste período, os argonautas espanhóis e portugueses cruzavam o Atlântico em busca das especiarias orientais e de almas para serem arrebatas em nome da Santa Igreja.
Contudo, aventurar-se no oceano desconhecido, o qual era muitasvezes agressivo e assustador, não devia ser uma tarefa fácil e simples. Além disso, devemos levar em conta a tecnologia disponível no contexto das gandes explorações marítimas, onde não havia navios com estrutura reforçada, conforto e segurança, GPS, Satéits, Internet e rádio. Os Homens daquela época dispunham apenas de coragem e desejo de conquistas e glórias. Estas conquistas e glórias provinham do "descobrimento" de novas terras, da aquisição de riquezas e dominação de povos, que em seguida eram catequizados e forçosamente convertidos à fé católica. Assim Portugal e Espanha construíram seus impérios ultramarinos, com coragem, sangue e riqueza.
Portanto, o adjetivo superação pode muito bem caracterizar o espírito dos exploradores portugueses e espanhóis, os quais se superavam em cada despedida de seus familiares e de sua terra natal quando se preparavam para partir mais uma vez em direção ao "Mar Tenebroso", onde enfrentariam frio, fome, cansaço e medo da morte e do desconhecido, que era povoado por seres fantásticos. Era neste momento que a maior luta de todas era travada, a luta que cada marinheiro movia contra si próprio, quando lutavam contra seus medos, suas limitações e o imaginário que tornava a batalha ainda mais difícil e complexa. Vencido o medo, a épica jornada se iniciava e aqueles bravos argonautas partiam para desbravar e conquistar o "desconhecido" em nome de Deus e do Rei.