Em "O Monstrengo", um viajante português navega pelo Oceano Atlântico e se depara com um monstro marinho aterrorizador, que questiona os motivos de tal incursão no Oceano, lar impenetrável do Ser Marinho. Apesar de trêmulo, o viajante responde que está viajando sob as ordens do Rei de Portugal, D. João II.
O monstro indaga ao viajante novamente, e este responde que ele representa mais do que a si próprio naquela viagem, representa também o povo português, o qual estava ansioso por desbravar e conquistar as rotas marítimas do Atlântico na segunda metade do século XV e XVI. É neste momento que o viajante reúne forças para enfrentar o Monstrengo e cumprir sua missão, dando continuidade a sua viagem.
O monstrengo, por sua vez, representa o imaginário europeu, que por desconhecer a vastidão do oceano, o povoava com seres fantásticos e assustadores, tais como dragões, peixes gigantescos etc.
O medo do desconhecido, provavelmente, inibiu várias iniciativas de navegadores que buscavam o Atlântico, assim como as limitações tecnológicas da época, que não contribuíam na luta dos marujos contra as forças da natureza.
Apesar disso, o marujo do poema venceu o medo, enfrentou o monstrengo e seguiu sua viagem, rumo ao "desconhecido", em nome do povo português e de El Rei D. João II!
Abaixo reproduzimos o belo Poema e disponibilizamos um vídeo muito interessante contendo a dramatização do texto. Não deixem de assisti-lo, pois o vídeo está muito legal!
mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
A roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tetos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:
«El-Rei D. João Segundo!»
«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso.
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-Rei D. João Segundo!»
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!»
Um comentário:
O Monstrengo revela o espírito de aventura que tomou conta, sobretudo, dos povos ibéricos dó séculos XV e XVI.
Neste período, os argonautas espanhóis e portugueses cruzavam o Atlântico em busca das especiarias orientais e de almas para serem arrebatas em nome da Santa Igreja.
Contudo, aventurar-se no oceano desconhecido, o qual era muitasvezes agressivo e assustador, não devia ser uma tarefa fácil e simples. Além disso, devemos levar em conta a tecnologia disponível no contexto das gandes explorações marítimas, onde não havia navios com estrutura reforçada, conforto e segurança, GPS, Satéits, Internet e rádio. Os Homens daquela época dispunham apenas de coragem e desejo de conquistas e glórias. Estas conquistas e glórias provinham do "descobrimento" de novas terras, da aquisição de riquezas e dominação de povos, que em seguida eram catequizados e forçosamente convertidos à fé católica. Assim Portugal e Espanha construíram seus impérios ultramarinos, com coragem, sangue e riqueza.
Portanto, o adjetivo superação pode muito bem caracterizar o espírito dos exploradores portugueses e espanhóis, os quais se superavam em cada despedida de seus familiares e de sua terra natal quando se preparavam para partir mais uma vez em direção ao "Mar Tenebroso", onde enfrentariam frio, fome, cansaço e medo da morte e do desconhecido, que era povoado por seres fantásticos. Era neste momento que a maior luta de todas era travada, a luta que cada marinheiro movia contra si próprio, quando lutavam contra seus medos, suas limitações e o imaginário que tornava a batalha ainda mais difícil e complexa. Vencido o medo, a épica jornada se iniciava e aqueles bravos argonautas partiam para desbravar e conquistar o "desconhecido" em nome de Deus e do Rei.
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